sábado, 29 de dezembro de 2012

“Look”


Há uns 20 ou 22 anos atrás, em nome de um suposto “look”, não havendo os “photoshpot” e demais “injecções” de hoje, tentava-se "por tudo" ser o mais original possível, mesmo que isso implicasse usar o que quase todos os outros usavam, já que a oferta das lojas, convenhamos, era substancialmente inferior à actual, além de quase todas venderem "cópias" do que a "moda" ditava.

E era mais ou menos normal ficar-se embaraçado quando se aparecia no café de sempre com uma camisola “nova a estrear” de um verde garrido e, de repente, haver mais alguém ou mais alguns que, conhecidos e desconhecidos, por azar de todos, também estreavam irmãs gémeas dessas peças de vestuário. (o riso jamais disfarçava o que as maçãs do rosto apresentavam)

Por isso, e para se dar nas vistas, na falta de abundantes alternativas, recorria-se a pormenores de "auto-look" que fizessem alguma diferença, fosse cortando as “suíças”, desapertando 4 botões da camisa – deixando 6 pêlos à mostra, ou, eventualmente, recorrendo a um adereço que tentasse transformar o todo, como por exemplo um “pin” (crachá). 

Importante, importante, era ser-se original, mesmo que, na verdade, fôssemos fotocópias uns dos outros. E éramos. 

No entanto, e pessoalizando, houve alturas em que, pelas circunstâncias, consegui ser realmente diferente, usando roupa que não existia por cá. E isso devia-se às minhas idas ao Brasil, de 2 em 2 anos, vindo de lá “abastecido” com várias malas, na tentativa, pressuponho, de poder manter-me “exclusivo”, pelo menos durante uns tempos. 

Logicamente que o tema que aqui trago é ridículo, até a foto que o tenta representar é ridícula, mas a intenção, acreditem, é apenas sublinhar que apesar de ridículos, pirosos, iguais ou nada originais, na verdade, naquele arrancar da década de 90, já adultos, embora sem (ainda) se saber nada da vida, em termos de “look”, sentíamo-nos os “reis da nossa rua e arredores”, e isso eram os nossos 15 minutos de fama, pelo menos ao olhar do nosso ego, por mais que o espelho do guarda-vestidos nos tentasse revelar o oposto. 

Kiko
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

“Passe Geral”



Os tempos mudam e, por muito que me custe admitir ou compreender-me, também sou daqueles inúmeros que pegam no carro para fazer 50 metros, 100, vá!

Quando era teenager, na década de 80, as coisas eram bem diferentes, não só porque contavam-se pelos dedos de uma só mão quem, na minha rua, tinha automóvel (era uma rua pequena, convém notar-se!) e, claro, porque, apesar de estarmos numa crise, tenho a ideia de que, na altura, a severidade era ainda maior, apesar, e note-se bem, de, eventualmente, ser-se mais feliz com o pouco que se tinha, ou a que se tinha “direito”.

O passe de autocarro, claro! – e presumo que ainda é assim., era uma espécie de conquista de liberdade, porque, além de servir para nos levar de e para a escola, dava-nos rédea para que fossemos muito além dos poucos quilómetros a que nos conduziam as bicicletas. 

Recordo com saudade o meu primeiro passe de autocarro, ainda em criança… Mas o passe que fez toda a diferença foi aquele que ilustra estas minhas palavras: o então chamado passe geral. 

Claro que, numa altura em que ainda não havia metro no Porto, nem se pensava em alguma vez chegar a andar nele, só nas idas a Lisboa, ter este passe geral era assim para o muito especial, já que, além do autocarro, do trólei e do eléctrico, permitia que também se andasse de comboio, algo inimaginável – o ter-se um cartão plastificado que dava para transportes que se moviam em “estradas” diferentes. 

Quando apareceu, não sei como mas consegui convencer a minha mãe de que era importante, ou melhor, imprescindível, já que, sendo honesto para comigo, raras eram as vezes em que andava de comboio, mesmo morando a 50 metros do apeadeiro da Madalena. Mas pronto, lá o tive. Serviu para andar mais umas 4 vezes de comboio, ou 5, vá!

Além disso, este passe geral distinguia-se do outro, o normal, dos autocarros, por ser substancialmente maior e ficar ligeiramente “de fora” da carteira dos restantes documentos, ou seja, o bilhete de identidade. E, já agora, dava nas vistas por ter dois “selos” distintos, um para o autocarro, em versão autocolante, e outro para o comboio, em versão cartolina.

Que espectáculo! Era um prazer mostrar o passe aos motoristas dos autocarros ou aos “picas” do comboio… Mas depois, aos 19 anos, lá veio o “Renault 5 GTL” estragar aquilo tudo!

Kiko

* Este foi o meu último passe, o passe geral.
quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

“Pai Natal”


A última semana antes do Natal – e, para mim, Natal era o período que ia da noite de consoada até à manhã seguinte até ao desembrulhar da prenda., era muito diferente das outras do ano, ao ponto de sentir uma vontade imensa em ser mais simpático, mais colaborador e mais amigo do meu amigo, não fosse o Pai Natal (a minha mãe) estar a ver e cortar no “tamanho” da prenda. 

Quanto ao Pai Natal, o tal que era personificado em apenas algumas ruas do grande Porto, confesso que, ainda hoje, nunca percebi muito bem se acreditava nele ou não, mas que me dava jeito acreditar, lá isso, dava, nem que fosse para me manter na expectativa do que poderia acontecer. 

Naqueles meados da década de 70, ainda (que me lembre) sem grandes superfícies comerciais, nas redondezas da Rua de Sta. Catarina, limitava-me a dizer à minha mãe o que pretendia que ela “comunicasse” ao Pai Natal, mostrando-lhe exemplos do pretendido, em função das montras que íamos percorrendo juntos. 

- Kiko, olha que o Pai Natal não te pode dar tudo. E olha que ele não pode dar coisas caras, porque tem os meninos todos do mundo à espera de prenda! – dizia-me ela, Natal, sim, Natal, sim. 

No fundo, no fundo, eu sabia que a minha mãe não podia gastar dinheiro com prendas de suporte complicado para a “féria” (salário mensal), mesmo havendo o subsídio do desafogo que permitia “extravagâncias” bem mais importantes do que os brinquedos. E por isso, nunca fui de lhe pedir “este mundo e o outro”, pelo contrário. Penso que sabia até onde ia o “fundo da carteira” dela.

No Natal, sempre tive um faro especial para detectar a chegada da prenda, uns 3 ou 4 dias antes do tal dia. (risos) E era fácil. Bastava a minha mãe chegar mais tarde do emprego para se perceber que tinha andado às compras de Natal. Claro que ela inventava inúmeras desculpas, mas aquele seu subir a um banco para guardar a prenda em cima do guarda-vestidos era delatora. (risos)

E era o mesmo banco aquele que, mal não houvesse “perigo”, eu usava para lá ir buscá-la – à prenda. – para, com todo o cuidado, descolar a fita-cola num dos lados e decifrar o que acabaria por estar plantado como que “por milagre” ao lado do meu sapato na manhã do dia de Natal. 

Apesar de dormir do quarto ao lado, nuca descobri como é que a minha mãe conseguia colocar a prenda no fogão da cozinha sem que eu me apercebesse, já que, das poucas horas que conseguia dormir, eu era o primeiro a acordar, perto das 7 da matina, para, claro, ir abrir a prenda, a minha tão aguardada prenda. 

Hoje, mais de 35 anos depois, e pensando melhor, chego à conclusão de que o Pai Natal, se calhar, existe mesmo. Deve ser quem, durante a noite, bota ante bota, pega nas prendas que estão em cima dos guarda-vestidos e as coloca em cima dos fogões. Só pode! (sorrisos)

Kiko

E SE...?!


E se, sem aviso prévio do calendário, de repente, ficássemos sem nada, se ficássemos sozinhos no meio do para lado nenhum?

Sim, se ficássemos exclusivamente connosco…?!
Não, este não é nenhum raciocínio catastrófico. Pelo contrário, é um simples convite para que olhemos mais e melhor para o tanto que deixamos escapar por entre o ser e acontecer, e sem nos apercebermos de que, por pouco que sejamos ou por muito que achemos que poderemos ser, na prática, não passamos de uma partícula que se entretém com outras partículas, usando a maior parte do percurso da ampulheta para… quase nada.
É, este pensamento facilmente destrutível pode parecer excessivamente redutor e digno de psicanálise mas, na tal hipótese do: “E se…”, acaba por colocar cada um de nós num plano, no mínimo, constrangedor. 
Porquê?
Porque passamos os nossos dias a pensar no dia seguinte sem nos apercebermos de que o dia seguinte, na verdade, (ainda) é o dia menos importante das nossas vidas.
Imaginemos que desaparece toda a gente: os familiares, os amigos, os inimigos e os outros todos, aqueles que sabemos estarem por aqui e por ali, porque sim. Mas – insistindo., imaginemos que passávamos à condição efectiva de partícula de um suposto todo, ou seja, passávamos àquilo que já somos, mas sem uma única miragem do todo onde nos inserimos... 
O que fazer com o dinheiro, com a Internet, com o telefone, com o carro, com a roupa, com a casa, com as desculpas, com o que era para ser feito um dia destes… O que fazer com os sonhos?
Sim, imaginemos que, empregados ou desempregados, pobres ou ricos, belos ou feios, inteligentes ou “assim-assim”, nada haveria para fazer, absolutamente nada voltaria a acontecer…
O que fazer, então?!
Sentarmo-nos, talvez. 
Ou talvez não! 
Poderíamos sempre correr e continuar a correr por entre o tanto que (re)conhecemos no mundo à procura de outros de nós… Mas, e se concluíssemos que não havia mais ninguém?
(certamente que já há quem tenha abandonado esta leitura, seja por se estar numa época em que o que mais importa é gerar sorrisos, mesmo que recorrendo a analgésicos momentâneos, seja por não caber na cabeça de “ninguém” pensar (sequer) em deixar de se ter isto ou não se poder fazer aquilo) 
Pois!
Mas, por um minuto que seja, esforcemo-nos por tentar uma espécie de simulacro mental e equacionemos a mísera hipótese de, num ápice, sem que para tal estejamos preparados, fiquemos sem tudo, ou melhor, sem nada. Sim, que fiquemos ao “Deus dará”.
E por falar nisso, tentar reclamar com Deus?
Hmmm! Não creio.
Eventualmente, a (pré)visão do resultado deste exercício mental é feita por Ele a todo o instante…
E (eu) delirando, julgo que Ele ficará amiúdas vezes tentado em pôr-nos nesse “fio da navalha”, numa espécie de: “ - Aprendes de vez ou queres que te empurre?”… E nós, cá nos vamos entretendo com os “brinquedos e brincadeiras” sugados à montra do “ser-se especial”, sem (sequer) nos darmos ao trabalho de aceitar hipótese tão ridícula.
Mas, perguntarão alguns (os resistentes a esta mixórdia de palavras): “ – A que propósito pensar no fim do tudo se, na verdade, e “ao fim e ao cabo”, quando olhamos para o lado, continua a existir gente lá fora, uns com mais pressa do que outros, uns com mais lágrimas do que outros, mas todos com vida (ou vidinha) pela frente?!”… 
E ainda haverá, claro, o grupo daqueles, onde por vezes também me insiro, que se limitarão a exclamar um “adiante”. 
Como é possível ficar-se sozinho? 
Há quem responda o mais óbvio: morrendo. Mas, mesmo nessa condição, convenhamos, não há certezas absolutas, consta-se.
O que fazer, então?!
Não sei. Limitei-me a colocar-me a pergunta, mas em “voz alta”…
Mas sei que no dia em que (se) tal acontecer, lá teremos que responder com gestos a uma simples pergunta:
- Desperdiçaríamos tanto de nós e dos outros se soubéssemos quando seremos fim?

Francisco Moreira 

(esta é a minha provocação para que se aproveite o “fim do mundo” como um convite para repensar o durante, já que o “fim” de cada um chegará, por mais que o mundo continue, julgo eu)

“No comboio ao circo…”



Nesta época festiva, e recuando até à minha infância, na já longínqua década de 70, é incontornável passar ao lado do Natal das memórias, principalmente as que brotam do tempo em que éramos criança, uma altura que, sem se perceber muito bem porquê, apresentava-se com muitos e únicos sabores, verdadeiramente intensos. 

Ao longo dos próximos dias, por estas bandas, tentarei colocar em palavras o que as minhas memórias (res)guardam do Natal: o sapato em cima do fogão, a espreitadela à prenda antes de ela aparecer no tal sapato, o cheiro a “farrapo velho”, os pinhões, comidos enquanto se jogava, e aquela sensação especial… aquela envolvência única que sabia especialmente bem…

Hoje, e porque há que coordenar o calendário com as memórias, opto pela parte mais fácil: aquela em que um simples anúncio publicitário, ano após ano, nos indicava que o Natal estava (mesmo) a chegar. É, o anúncio televisivo era um marco, um marco determinante. (quase me atrevo a dizer que, naquela altura, sem ele, o Natal não seria a mesma coisa)

E era assim, em jeito quase religioso que, quando a televisão nos brindava com a história de: “No comboio ao circo…” começávamos a sentir o nervoso miudinho que nos transportaria dias e mais dias até àquela tal noite, aquela em que demorávamos muito mais a adormecer, na pressa de chegar à manhã seguinte, para ver se o facto de nos portarmos bem geraria a prenda (uma só!) tão desejada, mesmo sem saber o que era, embora sabendo. (porque ia sempre desvendá-la ao cimo do guarda-vestidos onde a minha mãe a “escondia”, uns dias antes)

Este ano, mais de 35 anos depois, fui uma vez mais ao circo, acompanhado por um “Anjo” que, ainda há pouco, ansioso, me dizia que falta uma semana para o Natal… Ou seja; já não falta tudo, além do comboio… e das fantasias de Natal que, também religiosamente, vão “desaparecendo” da actual árvore de Natal.

Kiko 

(se há algo do qual não prescindo, desde que sou pai, é dos chocolates na árvore de Natal)
terça-feira, 11 de dezembro de 2012

“Páginas Amarelas”


No início da década de 70, e especialmente para aqueles que não viveram na era pré-telemóvel, registem que ter um telefone era quase considerado um luxo, já que, para se falar através daquele aparelho com
 um “disco de números”, era necessário desembolsar algum dinheiro. E eram muitos os que recorriam aos telefones das mercearias para poderem ligar para a “terra”, uma vez por mês, em média.

(havia um contador de períodos)

Eu, numa casa nada dada a luxos, pelo contrário, tinha telefone. E dos brancos! A minha mãe encarava como importante ter-se telefone em casa, mesmo que se fizesse um esforço importante em termos da "féria", não fosse acontecer uma urgência qualquer, eventualmente em horário não condizente com a mercearia do Sr. Eduardo, a mais próxima.

E, como é óbvio, aquele foi o primeiro dos poucos números de telefone que decorei até hoje. Ainda o tenho guardado, já que tantas foram as emoções que por ele passaram (e passam, inclusive neste preciso momento).

Começou por ser: 713712, depois passou a ser 7113712 e finalmente 227113712. (não liguem, a minha mãe, infelizmente, já não o atende)

Estou em crer de que era mais ao menos por esta altura do ano que, quem tinha telefone, ansiava pela chegada das listas telefónicas, quanto mais não fosse para procurar pelo seu próprio nome na “lista branca” (a mais fina das duas) e, eventualmente, "cuscar" quantas pessoas tinham o mesmo (“nosso”) nome. 

Havia todo um cerimonial interessante, o qual passava por entregar as listas “velhas”, bem tratadas - já que ficava mal entrega-las estragadas. - e, entre outros pormenores, dava-se sempre gorjeta aos entregadores das listas, os quais, constava-se, ganhavam bem, muito bem, por causa de tanta generosidade “gorjeteana”. 

Hoje, quase 40 anos depois, voltei a reparar nas listas telefónicas, ou melhor, uma colega e amiga deu-me a ver as novas “páginas amarelas”.

- Que espanto! Que tristeza!

As “páginas amarelas”, eventualmente em função da economia vigente, passaram a ser “anorécticas”. 

Será que os telemóveis são os verdadeiros culpados? Certamente que sim. E, além deles, claro, a escolha de outras vias para colocar o nome da empresa, ou melhor, o “monstro” da Internet. 

- O mundo está realmente diferente!

De repente, com as novas “páginas amarelas” na mão, percebi que o tempo, ao contrário do que se supõe, emagrece-nos, principalmente naqueles “doces” que transportamos pela memória, sejam eles de papel ou de outro material qualquer.

- As “páginas brancas”?

Nem ousei perguntar por elas.

Kiko

* Fotografia de Alexandra Pereira.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

“Bicla”


Estou em crer que a primeira emancipação de um “homem”, naquela idade pós-5/6 anos, é largar de vez as rodinhas extra na bicicleta. Ou seja: passava-se pela primeira vez a “homem” quando se conseguia andar de bicicleta mais de 25 metros em linha recta sem batota.

E comigo aconteceu precisamente o mesmo. Mal pude, com mais vergonha do que coragem, armei-me em crescido e pedi para que as rodinhas, feias, por sinal, me deixassem à minha sorte. 

Nos primeiros dias, claro que o álcool, água oxigenada e uns pensos assumiram papel preponderante no estancar do sangue que fazia questão de sobressair entre as pisaduras conquistadas nas inúmeras quedas. “Dores do ofício”, argumentava eu, mesmo sem me convencer, nem aos outros. 


Na verdade, acho que nunca tive grande jeito para andar de bicicleta, mesmo sabendo fazê-lo, refira-se. Sempre tive a tentação de descer a minha Rua da Pitada a uma velocidade jeitosa, especialmente quando havia público, mesmo que composto por um ou dois elementos. É que foram várias as quedas, ou melhor, vários "espalhanços" contra a parede, tão simplesmente por não conseguir dar uso ao guiador, indo sempre em frente. 

Naquela altura, meados da década de 70, estou em crer, havia uma qualquer força estranha que me fazia não reagir, mesmo vendo e confirmando que, se não desse uso ao guiador e aos travões, certamente que acabaria por aterrar nos paralelos, provocando lágrimas, embora sempre disfarçadas, claro.

A minha bicicleta da altura, nada comparável à da imagem que aqui anexo, por estranho que pareça, sofria menos danos do que eu, principalmente quando passava do portão para dentro, já que, ao contar “a choramingar” à minha mãe que tinha caído - daí estar sujo e aleijado, ainda acabava por chorar mais, já que me eram servidas umas chineladas. (a bicicleta limita-se a assistir, em silêncio)

Sempre gostei de ter uma bicicleta e do processo de ir ao “garanjeiro” (oficina de motociclos e bicicletas) tapar os furos ou afinar os travões, sendo obrigado, amiúdas vezes, a esperar uma semana para ver o assunto resolvido… É, era interessante ter bicicleta, principalmente por podermo-nos aventurar para lá dos 500 metros que nos distanciavam de nossa casa e, já agora, por se ter a hipótese de tentar sentar uma rapariga no quadro e dar-lhe boleia, mesmo que caíssemos 5 vezes durante as curtíssimas viagens… Era giro!

Ainda hoje, para ser verdadeiro, acho que nunca consegui atingir uma relação demasiado próxima com a minha bicicleta de então, eventualmente pelo respeito e desrespeito que lhe fui ganhando com as quedas que coleccionei. E isso traduz-se no simples facto de, ao contrário dos outros, eu tratá-la por bicicleta e não por “bicla”, como se dizia.

Kiko


“Primária 2”


Depois dos primeiros dias de aulas de primária que, naquela década de 70, e no meu caso, aconteciam só da parte da manhã, lá foram acontecendo momentos que ficaram para sempre na retina: 

- Uma colega, que pela sua altura, metia medo aos rapazes, acertou em cheio com a cana nas costas do professor, ao pensar que quem estava a entrar na sala era um outro aluno. 

- Um outro colega, por norma, nunca tirava menos de 20 erros ortográficos em cada di
tado, o que representava reguadas em número idêntico, também por norma.

Mas existem inúmeros episódios, tais como o livro “Pasteur” que recebi de prenda do professor Sílvio por ter feito uma redacção que ele considerou excelente (eu adorava inventar!), os chocolates enormes que ele nos oferecia em dia de aniversário, as visitas de estudo, mesmo quando feitas nas redondezas, o “Dia da Árvore” e por aí fora… Tudo bons momentos, simples, autênticos e especiais.

Com mais ou menos familiaridade em relação a estes “retalhos”, todos plantamos episódios interessantes na nossa memória, daqueles que hoje nos fazem sorrir com especial prazer. Eram outros tampos, também!

Fosse pela troca de cromos de futebol comprados na “Palmirinha”, fosse pelo jogar ao berlinde naqueles 30 minutos de intervalo, fosse, já agora, pelo primeiro enamoramento pela Maria João, que tinha aulas na sala ao lado, fosse pelo pão com manteiga ou com mortadela (que adorava, menos naquele parte do “picar” a língua), tudo era suficientemente importante.

A vida na escola primária tinha um sabor especial, ao ponto de, depois de eventualmente cansados de tantas férias grandes, ansiarmos pelo primeiro dia de uma nova classe, vivido já com menos receios do que o primeiro dia de aulas de sempre, o da primeira classe. 

Criaram-se amizades que ficaram para sempre, como o caso do Vitó, o “craque” da matemática por quem eu copiava as contas de dividir, conseguindo acabar antes dele, porque, enquanto ela ia confirmar, eu já sabia que ele estava certo. (consegui várias vezes ir mais cedo para casa por ser o primeiro a acabar, embora copiando cada digito). 

Entretanto, enquanto escrevo este texto, e porque a vida também é feita de desencontros, tenho alguma nostalgia em mente porque a grande maioria dos que integraram aquela turma “desapareceram” do meu horizonte… Faz parte, consta-se.

E que pena não poder reuni-los a todos só para poder, cada um, apresentar as suas memórias de um espaço que nos ajudou a crescer ao longo daqueles quatro anos, enquanto cada um e enquanto todo. 

Kiko

• Estou em crer que o período da escola primária é o mais belo, mesmo que ingénuo, de todo o percurso de estudante. Estarei errado? Talvez sim, talvez não.
* Esta crónica, ou melhor, estas crónicas, são dedicadas ao Professor Sílvio e à Dª Palmirinha, dois seres especiais com quem me cruzei quase todos os dias ao longo de 4 anos. E faço-o pela essência especial que me deixaram, quer um, quer o outro. E fica o registo, mesmo já tendo ambos partido.

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