domingo, 31 de março de 2013

“Ovos de Páscoa”


Numa era em que a Páscoa não vivia de montras e muito menos da pressa em se pegar no comando para “zappingar” o que os canais televisivos compram, ou seja, o nosso tempo, improvisavam-se ovos de Páscoa: a grande novidade de todos os anos, além das amêndoas de uma, duas ou três qualidades.

Os ovos de Páscoa eram, imagine-se, ovos verdadeiros. E procuravam-se os maiores, para se conseguir um resultado final mais vistoso. 

Que ovos eram esses, afinal?! – perguntar-se-á quem não passou pela experiência, todos aqueles que presumem que os ovos de Páscoa são em chocolate, que têm um papel de embrulho colorido e metalizado e, não raras vezes, que trazem um brinquedo em jeito de brinde. 

Os ovos de Páscoa na década de 70, quando não se possuía galinheiro, eram trazidos, no meu caso, da loja do Sr. Eduardo. 

E já que era Páscoa, contrariamente ao habitual, em vez de meia-dúzia, pedia-se uma dúzia inteira. 

Depois, eram cozidos, como qualquer ovo normal, mas com uma enorme diferença: evitava-se que a casca partisse ou estalasse e, quando arrefeciam, eram pintados manualmente com canetas de feltro, daquelas “Molin”. 

Os desenhos, algo rupestres, poderiam ser dignos de uma exposição ridícula, mas o que realmente contava era a cor que aqueles ovos pintados davam às mesas onde, reunidos em família, celebrávamos a união, a família, o estar-se junto, o acontecer-se com mais “vida real”.

Naqueles domingos, os tais ovos ficavam expostos, admirando toda a refeição, culminando o momento com a parte do descascá-los, sem esquecer de escolher aquele que, através da pintura, mais nos tinha cativado a atenção.

Claro que, ao descascá-los, lá se ia a imagem lá pintada, mas, para compensar, enquanto se comia a clara e a gema, cozidas, claro, ficava-se feliz por, simplesmente, saborear aqueles momentos, os quais, sinto, eram mais coloridos do que os que se vivem hoje, e por mais tinta que fosse retirada aos marcadores “Molin”.

Kiko

• Hoje, a minha irmã Manuel entendeu recuperar essa “modalidade” dos ovos de Páscoa em jeito de homenagem à minha mãe, a pessoa que mais fazia questão de usar os ovos como pretexto para dar cor a uma era algo cinzenta em oferta mas colorida em conteúdo. E ainda bem.

domingo, 24 de março de 2013

“Discos Pedidos”


Na década de 70, sem a actual envolvência sufocante das televisões – na altura muitos lares ainda só tinham “ouvido falar” da caixinha mágica., a rádio era a companhia mais interessante, a melhor companheira, a ligação ao resto do mundo, ao ponto de estar sintonizada na mesma frequência anos a fio, e essa frequência passava essencialmente pela Rádio Renascença, a líder absoluta em termos de audiências, principalmente por não haver grande concorrência, nem tão pouco das estações piratas, as quais ainda estavam a uns valentes anos de darem nas vistas, ou melhor, de darem nos ouvidos.

O programa mais apreciado - ou pelo menos o mais falado - era o dos “Discos Pedidos”, com frase ou sem frase, mas com canções insuportáveis que acabavam por obrigar-nos a decorá-las – pela via da repetição – e todas as outras canções, aquelas que mereciam que nos déssemos ao trabalho de colocar uma cassete “BASF” no gravador, para a conseguir “pescar”, e de preferência sem a voz do locutor, aquele “intruso” que amiúdas vezes ficava acoplado às canções, as tais que, depois de “pescadas”, ouvíamos vezes sem conta, nem que para isso fosse necessário usar a fita-cola para unir as partes da fita castanha das cassetes que, por tanto se usar, acabava por partir. Era “um trabalho e pêras”!

Obviamente que a década de 70 pouco tem a ver com a década presente, e 40 anos é tempo suficiente para transformar gostos, hábitos e muitas outras coisas… Mas há sempre algo que fica, por mais diferente que possa parecer e/ou aparecer. E refiro-me em concreto aos “Discos Pedidos”, aquelas canções, mais recentes ou mais antigas, que continuam a ser pedidas e dedicadas vezes sem conta, porque a fórmula mantém-se, seja com recurso a um telefonema, um SMS, a um e-mail ou a um comentário no Facebook, e tenha o pedido frase obrigatória ou não, seja a rádio mais ou menos famosa, mais ou menos sintonizada.

E enganam-se aqueles que acham que os “Discos Pedidos” são um divertimento dos “velhos”, já que, por mais “Internetes” ou “iPodes” que apareçam, a fórmula do telefonar-se para a rádio para se ouvir a própria voz e dedicar uma canção a uma infindável lista de familiares e conhecidos mantém-se e promete continuar, mesmo que as rádios corram rapidamente para locutores virtuais ou mesmo que as rádios deixem de existir na plataforma que ainda é a mais utilizada; o éter.  

E por falar em frase, permitam que vos dedique uma canção, imaginando-me em 1978, com 8 anos de idade:

- Olá, eu sou o Kiko e quero ouvir a canção “Dai-li-dou” dos Gemini ao futuro, o futuro onde algumas pessoas ouvirão esta canção num computador ao jeito do “Espaço 1999”. Obrigado.

Kiko
sábado, 16 de março de 2013

“Sair à Noite”


O sair-se à noite, bem no início da década de 80, para a minha (nossa) geração, era porventura um momento digno de ficar registado no para sempre da memória, tamanha era a ansiedade, o receio de fazer má figura, o não saber o que fazer, o que vestir, o que dizer, como dar um ar adulto, embora tendo 11 ou 12 anos de idade, por aí… Mas era excessivamente importante, era quase como perder a virgindade, embora num contexto público e não privado, embora muito menos preocupante, não deixando de ser ridiculamente enervante. (sorrisos)

E o que me leva a fazer as palavras deambularem por esta minha primeira saída à noite é o facto de, por mais que me esforce, não me conseguir lembrar do local onde terei ido, do que terá acontecido de marcante, por aí, e apetece-me, quanto mais não seja para conseguir definir e avaliar as impressões que tive na altura. (esta cabeça já não é o que era! – risos)

Obviamente – e penso que será comum a todos. – que a primeira saída à noite foi à tarde, porque era à tarde que se começava a sair à noite. (ponto)

Confuso? Bizarro? Português maltratado? 

Nada disso. Na verdade, as saídas começavam à tarde, fosse por ser mais fácil conseguir-se autorização dos encarregados de educação, fosse porque, naquele tempo, haviam formas de transformar as tardes em noites, mesmo que se entrasse em “pseudo-discotecas” (“escurizadas”) à tarde e se saísse ainda com a luz do dia a raiar, no fuso do verão, claro.

Mas em termos de saída à noite, com noite, como não me consigo lembrar, vou inventar um espaço e tentar transportar-me para essa altura, sendo que, se bem me conheço, não estarei muito longe do que terá realmente acontecido.

Imagino que os meus amigos mais velhos, não muito, mas mais velhos, terão convencido a minha mãe de que iríamos ao cinema, porventura à sessão da meia-noite, porque o tal filme só daria àquela hora. Depois, acredito que apanhamos o autocarro, fomos a um café mais frequentado para “fazer horas” e, sempre a olhar para o relógio, ao jeito de “Cinderelo”, muito provavelmente teremos arrancado para uma discoteca, o local mor das imaginadas saídas à noite. Isto, claro, sem esquecer a preocupação latente pela (in)certeza de o porteiro (não) me deixar entrar, por (efectivamente) não aparentar ter 16 anos – a idade minimamente aceitável, longe disso. 

Depois de entrar na tal discoteca, fosse ela o “ArsNova” (é assim que se escreve?), a “Rock’s” ou outra qualquer (eventualmente um bar onde também se dançasse), certamente que me senti mais adulto do que nunca, mesmo que tenha pedido uma ou duas Coca-Colas com muito gelo, eventualmente na expectativa de que, quem me visse, imaginasse que o copo também teria whisky. (santa ignorância) 

Estou em crer de que passei aquelas duas ou três horas a olhar para tudo e mais alguma coisa e, muito provavelmente, devo ter-me sentido deslocado, para não dizer deslocadíssimo. 

Imagino também que, acossado pelos amigos, eles já com mais experiência noctívaga, devo ter tentado fazer “olhinhos” a uma miúda mais ou menos gira, a qual certamente me ignorou. (claro que, oficialmente, devo ter dito que fui correspondido, para não ficar mal)

Depois de ter dado a entender que dancei, sem o ter feito, por não saber e por ter uma vergonha eventualmente insuportável, acredito que terá começado o contra-relógio do: “vamos embora”, porque a sessão cinematográfica inventada já se teria despedido, e eu sempre tive a mania de ser cumpridor, quanto mais não fosse para garantir autorização para próximas investidas naquele novo mundo, o tão sonhado e desejado mundo da noite.

Em jeito de conclusão desta minha primeira saída à noite, embora não me lembre dela - repito, estou em crer de que: entre o último autocarro, um táxi ou “penantes”, deve ter sido um regresso a casa com muitas histórias conversadas, a maior parte delas inventadas, sonhadas ou desejadas, já que, em resumo, aquela primeira vez certamente que não foi mais do que um par de Coca-Colas com muito gelo, uma vergonha escondida pelas luzes da bola de espelhos e um mar de perspectivas que se abriram pura e simplesmente por ter aval de um porteiro de discoteca, dissesse o que dissesse o bilhete de identidade. 

Kiko

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