Essências

Não gosto que me tratem por jovem, não só porque estou a chegar aos 39 anos mas, acima de tudo, porque quem emite este tipo de "cliché" é muito mais novo do que eu. E considero isso uma falta de respeito, uma falta de educação.

Hoje, ao entrar numa padaria, uma verdadeira jovem - talvez com os seus 20 anos de idade - virou-se para mim e, num berro de consideráveis decibéis, perguntou:

- Oh jovem, o que é que vai ser?

Ainda pensei que estivesse numa espécie de mercado ou houvesse um outro "jovem" atrás de mim mas, após o meio segundo em que parei para pensar, não resisti ao instinto de, numa voz baixa mas perfeitamente e visivelmente audível, responder-lhe:

- Eu tenho o dobro da sua idade.

A jovem (verdadeira) ficou atónita com a resposta e, confesso, até me deu pena, razão pela qual, apesar do seu ar altivo em estilo "pose continuada", levou-me a amenizar o "ataque" com o pedido "disto e daquilo", como se "tivesse passado".

Mas, no fundo, fiquei parvo para com a "nossa vida" graças a mais um exemplo de não propositada mas (adulta) falta de respeito perante alguém que me desconhece completamente e, pior ainda, no meio de outras pessoas.

Eu sei que não houve qualquer maldade, que não houve qualquer tentativa de falta de respeito mas... Afinal, pelo menos para mim, a idade é um posto e não um frase "Marketiana" de mau gosto!

Agora, passado o "filme", fico com a ideia que a maior culpa não é de quem emite as frases mais sim de quem retrata humoristicamente uma sociedade que, desde jovem, adquire defeitos que, convenhamos, vivem do oxigénio que os programas televisivos que gozam com eles os ensinam a manter na vida real.

Acredito que, no caso desta jovem, a partir de hoje, o "Oh jovem" passará a ter outro significado.

Infelizmente foi ela que levou com o falta de paciência que, nesta matéria, me irrita solenemente... Desculpe jovem, estiveste mal e, ainda por cima, na hora e local errados. Que tenha servido de alguma coisa...

Um dia destes gostaria que me dissessem em que pensam as modelos que fazem este tipo de fotografias, sim, as fotografias onde parecem dizer com todas as letras: "se estivesses aqui, fazia-te assim e assado mas, como não podes estar, limita-te a imaginar aquilo que jamais terás oportunidade de ter porque, na verdade, só faço esta pose porque me pagam bem e porque me fizeram crer que é artisticamente interessante poder dizer que apareci na revista xpto"... Não sei, gostaria de saber, só por curiosidade...!

Pois, se calhar, pensam no "tenho que comprar aquela mala vermelha que a tipa da página 67 tem na mão, caso contrário deixo esta porcaria que mal me paga o pequeno-almoço no Altis e agarro-me ao administrador da revista que, ouvi dizer, afinal não é homossexual e, com um ou outro encontrão e meia-dúzia de silêncios sorridentes, ficará a ter um fraquinho por mim e permitirá que eu seja capa enquanto não me deixar uma pensão vitalícia"...

Ou, por outro lado, pensarão no "estou a sofrer para fazer chichi e já estou farta de fazer o beicinho que o raio do fotógrafo exige quando, na verdade, quando olharem para a fotografia, pensarão em tudo menos nisso"...

Pois, é confuso, talvez seja por isso que tenho curiosidade em saber o que pensam, se pensam e quando pensam... Porque, afinal, também haverá quem pense.

Apesar de procuramos sempre mais e mais cores na vida que tentamos pintar com as lições das novelas, chego à conclusão que a televisão nos fazia mais felizes quando era a preto e branco, quando tinha hora de abertura e hino de fecho, sim, naquela altura em que o TV Rural não tinha concorrência nem havia registo das audiências do boletim meteorológico.

Hoje, bem vistas as coisas, as cores tiraram brilho aos nossos gestos, ensinaram-nos a perder a vergonha e a deitar para baixo de "os outros também fazem" as responsabilidades que eram mais do que religiosas.

É um facto que a televisão nos ajudou a evoluir, inclusive enquanto pessoas, enquanto aprendizes de vida, que é o que somos, mas, por outro lado, impregnou-nos de vícios que jamais julgamos serem possíveis, nem na altura da "Gabriela" ou do "Casarão".

Um dia destes, só para percebermos o que perdemos e o quanto nos modificamos, deveríamos desligar as televisões de todo o planeta durante uma década. Sim, meter os LCD num baú do "tempo da avó" e sair para a rua só para ver o mundo com cores verdadeiras, com cores de HD não fabricadas em função de uma fibra óptica mas sim em nome de um ser de carne e osso e não de ficção.

Por vezes, sabe bem embalar na melodia de uma canção e deixar o pensamento voar pelos caminhos do sonho... Nem que seja apenas naqueles três minutos e meio, nem que seja no instante que separa os dois lados do stress...

Por vezes, sabe bem dar um pouco de azul ao cinzento com que a vida amiúdas vezes nos veste e atravessar a ponte que nos permite incorporar uma melodia mais suave. Afinal, a nossa banda sonora não tem que ser composta apenas por desafinos.