quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Pena Branca


Eram quase 5 da tarde, no dia 5 de Agosto de 2009, quando uma jovem médica, num corredor, me convidou a ir ver a minha Mãe, internada nos cuidados intensivos de um hospital em Gaia. Disse-me que, apesar dos seus próprios comentários médicos do dia anterior, completamente desanimadores, entendia que a Dª Ilda da Glória Gonçalves era uma mulher muito forte e que, com alguma sorte, se a incentivássemos bastante, poderia reagir o suficiente, invertendo o "destino", já que tinha um coração de ferro, resistindo gloriosamente a tudo...
Depois do desânimo desse dia anterior, aquela 4ª feira, parecia ter-me dado uma renovada dose de oxigénio, embora, na verdade, hoje, 1 ano depois, penso que era a minha vontade de querer acreditar no "impossível" que me fazia velejar pela vela da esperança.
Naquela hora do lanche, entrei num grande quarto recheado de macas-cama e vi-A ali, deitada, com um rosto calmo, tranquilo, como se estivesse a dormir o sono dos justos, depois de mais uma dorida batalha, na qual, como sempre, tinha saído vencedora. Prometi a mim mesmo que não choraria, pelo menos na sua presença, e que seria "adultamente" forte, apesar de os ambientes hospitalares me incomodarem, e muito. Mas, custasse o que custasse, teria que ser quase tão forte quanto Ela - uma guerreira nata, e, pela primeira vez, desde que tinha sido internada, vê-La em carne e osso, senti-La, dar-Lhe a perceber que, como sempre esteve comigo ao longo de 40 anos, eu, embora sem "armas", também estava com Ela, firme, certo de que Ela era e é o meu grande exemplo, a minha heroína.
Eu, mesmo sendo o mais próximo dos Seus 4 filhos, exceptuando a minha irmã que vive no Brasil, era o único que ainda não tinha tido a oportunidade de a ver, de Lhe tocar, mesmo tendo passado horas naquele terrível corredor ou, em alternativa, entre um cigarro e outro, à porta daquele edifício hospitalar, um dos mais longínquos dos edifícios, levando-me a imaginar que aquele era o edifício onde se estava "mais perto da morte". Mas eis que chegou o grande e difícil momento, estar com Ela, mesmo em circunstâncias que nunca tinha vivenciado, até então.
Entrei e fiquei automaticamente chocado, não com ela ou com o que me era visível, quanto ao seu estado - pisado, com aqueles acessórios e máquinas que vemos nos filmes, mas chocado, verdadeiramente chocado, com a postura de um jovem auxiliar médico que, de telemóvel ao ouvido, ali, do outro lado daquela cama, ia falando sobre banalidades, enquanto eu, a sofrer também com aquela terrível interferência, chorava copiosamente e repetia-Lhe: " - Muito Obrigado por tudo", vezes sem fim, na tentativa de que Ela me ouvisse, .
Com uma vontade indelicada mas delicadamente, não resitisti a interromper a chamada telefónica daquele "profissional" para lhe perguntar, humildemente, se podia tocar na minha Mãe. Ela, naquele momento, era a única pessoa que se mantinha naquele lado daquela ala hospitalar. Vá lá, ele, o jovem "profissional", acabou por perceber que, além de não se poder ter conversas telefónicas privadas numa área tão reservada, por muito banais que possam ser os sopros de um ser humano de quem estejam, por missão ou dinheiro, a cuidar, têm que desempenhar o seu profissionalismo, e isso não se solidariza com conversas triviais sobre pretensas "idas ao café", principalmente enquanto um filho chora copiosamente junto à cama da sua Mãe. Quando reparou no incómodo causado, distanciou-se ligeiramente e desligou o telemóvel com um: " - Agora não posso falar!", felizmente.
Naquele momento único e irrepetível, confesso, não tive coragem de pegar na mão da minha Mãe, limitei-me a fazer-Lhe várias "festinhas", como aquelas que hoje faço ao meu filho, Seu neto, aquele ser que, segundo a mãe de um amigo meu, é a continuação Dela, da Dª Ilda, ao ponto de, em pleno funeral, enquanto me agarrava o rosto, me ter dito o seguinte: "- Ouve-me com atenção. A tua mãe continua contigo, ela está no teu filho. Acredita em mim. Ouve-me, por favor, ouve-me!". Voltando àqueles
rápidos e intensos 2 minutos nos quais tive a oportunidade de estar com Ela, naquele quarto de hospital que não consigo apagar da memória, a minha Mãe agarrou ao de leve a minha mão, como que dizendo que sabia que eu estava ali com Ela, como sempre estive, como sempre estarei, mesmo, hoje, já sem a poder tocar. ( - Sinto-me um fraco por não a ter tocado mais vezes, por não a ter abraçado mais vezes, por não a ter beijado mais vezes, por ter mantido aquele estúpido e respeitoso distanciamento com que sempre vivemos, apesar de nos darmos muito bem, apesar de eu ser o Seu "Kikinho", apesar de eu sempre ter sabido que Ela vivia para mim e por mim.)
Apesar de ter o rosto encharcado de tristeza, aquele sentir que Ela me sentiu, por instantes, ajudou-me a alimentar a ilusão de pensar que; mais dia, menos dia, voltaria a poder saborear aquele "arroz de frango" que Ela me prometera no seu dia de aniversário, o Domingo anterior. É, pela primeira vez, Ela tinha-se esquecido de cozinhar o meu prato predilecto, e logo naquele que acabou por ser o nosso último almoço, a nossa última 2ª Feira, aquele dia em que percebi que me estava a dizer Adeus para sempre, quando, com um chapéu que lhe tinha dado na véspera, me acenou, como sempre, embora, desta vez, com os olhos encharcados, dali, do mesmo muro onde durante décadas me viu sempre partir e chegar. Ainda parei e, do lado de dentro do carro, disse-lhe com a voz "ameaçadora" de sempre: " - Mãe, se não se estiver a sentir melhor, ligue-me, mas ligue-me mesmo!", acabando por seguir viagem a vê-la pelo retrovisor olhando para mim. Segui extremamente preocupado, completamente incomodado, muito desconfiado. Era hora de me encaminhar para o meu programa de rádio que Ela sempre ouviu religiosamente, aquele programa onde "todos os ouvintes" sempre me ouviram falar do tal "arroz de frango", o mesmo do qual Ela tinha dado a receita em directo, ao meu lado, no pic-nic do dia anterior, entre milhares e milhares de ouvintes, meus, e "Dela", no tal Domingo das Suas 79 Primaveras.
Nessa 2ª Feira, como em todos os anos, lá Lhe levei as suas prendas "banalíssimas", desta feita um conjunto de jardinagem e um carrinho com rodas para poder transportar as Suas compras. Prendas que, naquela triste manhã, ao recebê-las, me deixaram "devastado", ao ponto de ter ligado à minha Deusa, demonstrando-lhe a minha preocupação, achando que Ela, a minha Mãe, tinha tido um AVC e que tal me tinha sido "poupado", como aconteceu há uns anos, quando me encontrava no Brasil. Contudo, numa conversa de alguns minutos, as Suas palavras, mais lentas, mais emocionais e mais "forçadas" fizeram-me não desarmar, insistindo na Sua ida ao médico, na necessidade de se cuidar, mais do que nunca, ao que Ela me respondeu que tudo não passava de um "mal-estar" a que, como sempre, chamou de "pequena gripe", que passaria com cama (Talvez por essa frase repetida ao longo de décadas, ainda hoje "curo tudo" com cama.).
À tarde, já em pleno programa, senti-me inquieto, demasiado inquieto, como daquelas vezes em que, por coincidência ou avarias telefónicas, Ela não me atendia às horas de sempre, levando-me a entrar em desespero, ao ponto de "voar" para Sua casa, dando-Lhe "raspanetes" por, por exemplo, "ter ido colocar o lixo à rua e não ter ouvido o telefone".
Como sempre, ainda em pleno elevador, no prédio da rádio, depois do programa, liguei-Lhe. E, alegria das alegrias, disse-me que estava bem, fartou-se de rir e disse que aquele cansaço que Lhe tinha dado quando subiu a nossa rua já tinha passado, que se sentia "fresca como um alface". Mas, mesmo assim, embora já muito mais tranquilo, voltei a insistir para que fosse ao médico ver o que "era aquilo".
2ª Feira, 3 de Agosto de 2009, início de noite.
- Kiko, não é para te preocupares. A mãe sentiu-se mal e estou com Ela no hospital de Gaia. Ela está bem. Está farta de fazer rir os médicos, dizer palavrões e, sabes como é, já disse que quer é ir para casa, que não quer estar a ocupar espaço. Escusas de vir para cá, tanto que não poderás estar com Ela. Eu vou dizendo-te o que se passa e amanhã vens visitá-la. - Disse-me a minha irmã Manuela num telefonema que, na verdade, hoje, 1 ano depois, comprovou aquilo que aquele olhar de lágrimas da minha Mãe, ao muro, nesse mesmo dia, me alertou por antecipação para o que, afinal, tinha sido o último Adeus, o Adeus em que nunca acreditei. (Para que se conste, para mim, a minha Mãe era eterna. Jamais faleceria, principalmente porque eu não saberia o que fazer sem Ela, jamais sobreviveria sem Ela. E ainda hoje, confesso, não sei como me aguento. Tem sido demasiado difícil, demasiado penoso, apesar das importantes ajudas que me mantém firme neste "ter que continuar". A minha Mãe era a pessoa mais importante da minha Vida, sem qualquer tipo de comparação ou aproximação.)
Os dois dias que se seguiram, entre idas ao hospital, sempre sem conseguir vê-la, com várias informações contrárias, tais como: "prepara-se" e "há esperança", ditos vezes sem conta, colocaram-me num remoinho que me fez "mexer" com vários amigos, para recolher informações concretas e, claro, providenciar tudo o que fosse possível e impossível, de maneira à minha Mãe estar sempre acompanhada. Se eu não podia estar lá dentro com Ela, certamente que haveria forma de me fazer representar, de poder ajudar, por pouco que fosse. A minha Mãe nunca me deixou sozinho, por que razão haveria eu de deixá-la a Ela? Confesso, sem remorsos, que pedi a amigos para fazerem pressão junto dos seus conhecimentos para que a minha Mãe fosse acompanhada com especial atenção. (Que me perdoem os outros, mas era da minha Mãe que se tratava, e se os Amigos não servem para nos ajudar em momentos destes, em que momentos serão importantes?! Não sei se funcionou, nem sei "quem" funcionou, mas pelo menos tentei interferir para que não faltasse nada à Dª Ilda, a pessoa mais importante do mundo, pelo menos para mim.)
No dia 5 de Agosto de 2009, o tal dia, houve um episódio que me deixou de rastos.
- Boa tarde! Sabe se já podemos visitar os pacientes? - Perguntei a uma senhora de meia-idade que, tal como eu, passava horas naquele corredor da ala reservada aos "casos preocupantes".
- Sim, já estive lá dentro, mas tive que sair, tivemos que sair todos, uma senhora estava muito mal e eles evacuaram toda a gente.
- Ah...! - Acrescentei, desejando, claro (e que me perdoem), que essa senhora não fosse a minha Mãe.
- É uma senhora de cabelos brancos, que está em coma, que está muito mal... Em que cama está a sua mãe? - Perguntou-me.
- Deve ser a minha Mãe. - Respondi, cabisbaixo, em tom seco, de tristeza, embora pedindo encarecidamente ao "meu" Deus que a protegesse, que a fizesse superar mais uma batalha, mais uma guerra.
A tal senhora, claro, ficou siderada e, entre sussurros, ia dizendo aos parentes de outros pacientes que a senhora de cabelos brancos que estava muito mal era a minha Mãe. Tentei fazer que não ouvia, embora isso exponenciasse a minha tristeza.
Poucos minutos depois, abordei um médico que passava no corredor e ele deu-me uma versão muito mais aligeirada. Disse-me que não valia a pena eu ficar ali, que a minha Mãe estava estável e que havia esperança, que as situações de urgência eram normais, mas que Ela era de ferro e que estava a reagir bem, ao ponto de reequacionarem operá-la, algo que foi colocado de parte - e vice-versa - das manhãs para as tarde, das tardes para as noites e das noites para as manhãs.
Acabei por ir para a rádio, ao som de "Gaivota", do projecto "Amália Hoje", um tema que ainda não me tinha "convencido", talvez por ser ainda algo recente, mas que, no dia seguinte, adoptei como "hino", ouvindo-o sempre em repetição, dia e noite, no carro e em casa, tentando beber aquele poema, deveras "curioso" e significativo, quando adicionado ao que estava a acontecer e ao que viria a acontecer.
Porquê?
No noite de 2ª Feira, 3 de Agosto, o dia do internamento, no meu carro, ao vir embora do hospital, a caminho de ir buscar o meu filho a casa dos meus sogros, triste, bastante triste, virei-me para a minha Deusa e disse-lhe:
- Amor, sabes o que me apetecia ouvir neste momento?
- O quê? - Perguntou-me ela.
- Apetecia-me ouvir o "Gaivota". Apetece-me ligar para a minha rádio e pedir que toquem a música...
- E porque é que não o fazes? - Perguntou-me ela.
- Porque a esta hora o programa é gravado e não dá...
E, como que por ordem divina, do nada, começou a tocar o "Gaivota" no rádio do meu carro, naqueles quilómetros de auto-estrada feitos vagarosamente em direcção ao Porto. Ouvi-o e senti-o nas "alturas", entre lágrimas internas e externas, como se o adeus, por bizarro que pareça, pudesse ter uma espécie de banda sonora. Sim, pode.
Claro que, depois dessa "coincidência", não foram raros os casos em que aquela versão diferente de "Gaivota" (que já ouvi umas 15 vezes enquanto escrevo este texto, entre lágrimas e sorrisos), ao ponto de ter procurado um CD promocional que uma editora discográfica tinha enviado para minha casa com essa bela canção. Mal cheguei a casa, encontrei-o facilmente e, desde aí, nesta "guerra entre a vida e a morte", não me cansei de o ouvir, nunca, inclusive hoje, inclusive ao longo destes 12 meses que já percorri. Naquele fatico mês de Agosto, o "Gaivota" foi sempre motivo para inúmeras viagens a "solo" lotadas de lágrimas e tristeza mas também de Fé, Fé na mulher mais forte que conhecia, a minha Mãe, mesmo já depois de ter partido.
Voltando ao dia 5 de Agosto de 2009, 4ª Feira, depois de ter estado fisicamente com a minha Mãe, dirigi-me em passo apressado, e feliz, para a minha Deusa e para o meu filho, que me aguardavam no carro, no estacionamento daquele hospital.
- Amor, estou muito mais esperançado. - Disse-lhe, mal cheguei ao carro.
- Que bom. Que bom! - Acrescentou ela, com um enorme soriso.
- Olha, fazes-me um grande favor?! - Pedi-lhe.
- Claro. Diz.
- A médica disse-me que, nesta fase, é importante várias pessoas irem animá-la, que isso pode ir ajudar, e que ela já pode receber visitas, apesar de estar a "dormir"... Importas-te de lá ir, por favor?! - Pedi-lhe.
- Claro que sim. Por onde é que entro?
E fiquei ali, naquele estacionamento, a brincar e a falar com o Ângelo, enquanto aguardava ansiosamente pelo regresso da Deusa, para ouvir a sua "sábia" opinião, naquela sua forma especial de dizer as coisas, sempre com aquela energia positiva que transporta. E eis que, passados poucos minutos, vi-a encaminhar-se para mim, com um sorriso.
- Então, já está? Que tal?! - Perguntei, ansioso.
- Olha, Amor, não pude vê-la. Mas ela está bem, disseram-me.
- Então?!
- Pelos vistos está na hora de lhes darem de comer e não pode entrar ninguém agora. Só isso.
- Ah, ok!
Entretanto, ao entrar no carro, naquele final de tarde, a minha atenção dirigiu-se para uma pena branca que foi cair delicadamente no meu banco.
- Amor, é a pena de um Anjo. Os Anjos estão com a tua mãe. Ela está protegida. - Disse-me, de imediato, a minha Deusa.
Fiquei a pensar naquilo e, embora algo incrédulo, peguei na pena e guardei-a.
E, nessa mistura de descanso, naquela viagem a 3 de regresso a casa, à minha casa, fui desfiando o que sentia, o que pensava, repetindo inúmeras vezes que a minha Mãe era demasiado forte e que ainda iria dar "estalos de luva branca" a quem me tinha dito para eu me "preparar"...
Chegados a casa, dirigi-me para o computador, onde fui deixar-Lhe mais um "Boa Sorte" na Internet, no meu Blog, escrevendo o seguinte: " - É Agora, Mãe! Você Consegue! Lembre-se, ainda Preciso muito de Si!". A Deusa, por sua vez, conjuntamente com o Ângelo, foi comprar algumas coisas para o jantar daquele dia, pretendendo nós, depois disso, ir visitar novamente a minha Mãe.
Entretanto, imediatamente a seguir à publicação do pequeno texto no meu Blog, recebi um telefonema da minha irmã Manuela.
- Kiko, quero falar com a Sara. A Sara está? - Disse ela entre um nervosismo enorme e um jorrar de lágrimas perfeitamente perceptível.
- Manela, o que é que se passa? A mãe piorou? - Perguntei.
- Kiko, é melhor falar com a Sara... Chama-me a Sara.
- A Sara não está. O que é que se passa? A mãe piorou...?
- Acalma-te, por favor, acalma-te. Telefonaram-me agora do hospital e a mãe morreu... Mas, por favor, chama a Sara, ela precisa estar contigo. Tens que ter calma... - Acrescentou a minha irmã, levada pelo "baque" da notícia e, simultaneamente, extremamente preocupada comigo, sabendo que a morte da nossa Mãe poderia deixar-me "lesões irreparáveis", quer pelo comportamento que eu poderia adoptar, estando sozinho em casa, quer pelo peso que a nossa Mãe tinha (e tem!) em mim, algo verdadeiramente preocupante, naquele momento.
Não sei como, mas tentei acalmá-la, quando o objectivo dela era acalmar-me a mim. Recordo que, naquele telefonema marcante, não verti uma única lágrima, recordo que fiquei triste mas calmo. Convencendo-a, e bem, de que eu estava bem, mas que ela, sim, ela é que teria que ter calma, e para não se preocupar comigo.
Depois de concluído o telefonema, peguei no telemóvel e, já bastante nervoso, a tremer, telefonei para a minha Deusa.
- Amor, preciso que venhas para casa. A minha Mãe morreu. - Foram estas as minhas palavras, simplesmente.
Palavras que, há que sublinhá-lo, assimiladas, foram a gota de água que me levou a perceber, mesmo sem acreditar, que, a partir dali, jamais teria a hipótese de ver a minha Mãe, que a tinha perdido para sempre, por mais optimista que fosse, por mais que desejasse que isso não acontecesse, por mais que teimasse comigo que estava a sonhar e que, em segundos, acordaria e estaria em Sua casa a saborear o Seu incomparável "arroz de frango".
Depois disso, naqueles 5 minutos que separaram o meu telefonema e a chegada a casa da Deusa, com o Ângelo, lembro-me especialmente de 2 telefonemas que efectuei: um para a minha sogra, a Dª Dulce, a comunicar o sucedido e a pedir para que ficasse com o meu filho, pois não queria que ele vivesse aquele meu sofrer e, num outro telefonema, disse ao meu Director de Programas, Alberto Rocha, que, devido àquele triste acontecimento, não iria trabalhar no dia seguinte. (Por ironia, quando faleceu o meu Pai, há quase 15 anos, depois de ter sido informado pela minha Mãe, num choro compulsivo, recordo-me perfeitamente que fiz um telefonema idêntico para a, então, minha Directora, numa outra rádio onde trabalhei. Irónico, não?!)
Quanto ao resto desta triste história, que demorei 1 ano a conseguir escrever, começando e (Espero eu.) acabando hoje, pouco mais me apetece acrescentar, além de algumas curiosidades bizarras mas verdadeiras, que passo a contar sob a forma de títulos pouco desenvolvidos.
> No dia do funeral da minha Mãe, quando me encaminhava na auto-estrada de Matosinhos para a Madalena, o pára-brisas do meu carro foi "cumprimentado" diversas vezes por pequenas penas brancas.
> Nos dois dias entre o falecimento da minha Mãe e o seu funeral, de cada vez que liguei o carro, estando ele com o rádio ligado, e não com o leitor de DVD, dava automaticamente o "Gaivota", independentemente da estação radiofónica que estivesse sintonizada.
> No funeral da minha Mãe, por mais bizarro que possa parecer, o caixão não cabia no local que lhe tinha sido destinado, tendo sido precisas várias tentativas. Algo que me levou a sorrir e a dizer em voz alta que "Ela era demasiado teimosa, inclusive no dia do seu funeral".
> Soube no dia da missa de "7º Dia" que os "Amália Hoje" iriam, ironicamente, dar um concerto ao fundo da minha rua. O que veio a acontecer, e onde estive, imediatamente após a missa.
Poderia referir-me a muitos mais episódios que, pelo menos para mim, são sinais extremamente objectivos acerca da continuação da Dª Ilda da Glória Gonçalves no meu dia-a-dia, a começar pelas "penas brancas" que vão surgindo nos locais mais inesperados, mas, porque cada um deve acreditar no que quiser, limito-me a dizer que aquela Pena Branca do Adeus, caso ainda hajam dúvidas, caiu no banco meu carro no exacto momento em que Ela decidiu partir em definitivo. Sim, podem acreditar que Ela esteve naquele hospital à espera que o Seu "Kikinho" se fosse despedir pessoalmente Dela, já que já se tinha despedido dos outros.
Hoje, precisamente 1 ano depois, neste renovar de lágrimas, embora também com alguns sorrisos, só me apetece repetir aquilo que escrevi naquele dia 5 de Agosto de 2009: "Se há Eternidade, Mãe, Você é a Eternidade."
Obrigado por Tanto.

Matosinhos . 5 de Agosto de 2010
Francisco Manuel Gonçalves Moreira

3 comentários:

JoeMar disse...

Não tive a oportunidade de te acompanhar de perto neste momento. Leio agora o teu relato, escrito com uma pena de luz. Apesar de me encontrar muito emocionado, deste-me um abanão. Nos pensamos que os nossos Pais são eternos, que nunca chegará o dia daquela viagem. Hoje, vou abraçar muito os meus Pais, a minha mulher... todos os que Ame, e dizer-lhes que os Amo. A TI, meu Amigo de sempre, apenas digo que és um ser de muita Luz, assim como, a tua Deusa e o teu Angelo. Deixo-te o meu abraço de carinho e admiração, pelo que és e pela maneira que ves a vida.
Muita Luz...

Susana Araújo disse...

Não há palavras. Lembro-me do dia 5 de Agosto de 2009 como se fosse hoje e o que pensei e senti quando me deram a notícia. Lembro-me que fiquei barata tonta sem saber o que fazer, se ligava, se mandava mensagem..lembro-me que antes de entrar na capela dei 10 voltas com o carro à volta das ruas próximas e só perguntava à Ju o que ia dizer, o que ia fazer, como é que se conforta alguém que perde a presença fisica de uma mãe? Quando entrei tu não estavas e eu senti-me a sufocar quando vi a nossa D.Hilda ali. Lembro-me que nessa noite fui á praia e fiquei horas a fio a olhar pro mar..Chorei, porque tal como tu dizes eu também sinto que não aguentava, não suportaria. De uma coisa eu tenho a certeza absoluta: Ela tem um orgulho enorme em ti padrinho, disse-mo ela própria na festa do teu aniversário em 2009, disse-me que tu te preocupavas muito com ela mas que não era preciso porque Ela era forte.. :)
Todos os dias a saudade aumenta, eu sei.. mas Ela está contigo como diz a Deusa..vocês estão juntos pra sempre, porque ela está aí agora contigo a teu lado enquanto tu lês este comentário meu. Beijinho enorme cheio de força e muita amizade e carinho*

Xanda disse...

Bem, ao ler este texto fiquei com o coração apertadinho... sou muito emotiva (ou não fosse eu do signo peixes).
Amigo deves sempre ter esse espirito, continua a acreditar que nós somos muito mais do que aquilo que vemos, bjnhs com muito carinho.

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