quinta-feira, 19 de junho de 2008

Lágrima do Oriente - XXIX ...e Penúltimo

Lágrima do Oriente
"Amor com Amor se Paga"
29º Capítulo
(a história, até aqui, pode ser lida no link à direita)

Os convidados começaram a ir embora e, com a sua simpatia, foram, cada um à sua maneira, desejando-me as maiores felicidades. Isto sem nunca esquecerem o voto de parabéns pelos filhos que dentro de poucos meses dariam ainda mais vida ao meu ser.
Depois de só termos ficado quase familiares, a Raja convidou-nos a ir ver algo especial. Era um vídeo tridimensional da sua última ecografia, a qual tinha sido feita há poucos dias.
Fiquei impressionado com as imagens, algo que serviu para ver que os meus filhos eram efectivamente um casal de gémeos.
- Posso tocar-te na barriga? Perguntei.
- Claro que sim, afinal eu sou a tia e tu és o pai. Acredita que já fico feliz por poder ser parte deste importante acontecimento. A dádiva da Lu não foi só para ti, também foi para mim, nem imaginas. - Respondeu a Raja enquanto apertava a mão ao Tony.
- Então Allan, já sabes que nome irás dar aos meus primeiros netos? - Perguntou a minha mãe.
- Sim, vou dar os nomes que eu e a Lu tínhamos pensado. O rapaz vai chamar-se Gabriel e a menina chamar-se-á Safira. - Respondi.
- Que bem, são nomes com luz. - Disse a Aaliya com um leve sorriso.
Acabamos por ficar ali cerca de uma hora até que, a convite da Aaliyah, decidi ir dormir para o quarto que fora habitado pela Lu durante quase duas décadas.
Quando lá entrei senti um aperto no coração, algo que foi superado degrau a degrau enquanto observava os inúmeros objectos que acompanharam a mãe dos meus filhos ao longo dos anos. Falo de um diário que não ousei ler, de cadernos escolares com inúmeros desenhos, de peluches dos mais diversos feitios e de um pequeno equipamento de som que, pelos vistos, servia para a Lu treinar os seus dotes vocais. Ela era viciada em cantorias, cantava o dia todo. Recordo que houve uma altura em que só pensava no karaoke, até parecia que queria ser artista. Mais, de cada vez que cantava, independentemente do palco, era como se estivesse perante uma plateia de milhares de fãs. Fartava-se de agradecer, de saltar e chegava ao ponto de apontar o microfone para a frente, como que a incentivar o público a cantar o refrão das canções que interpretava e as quais, refira-se, eram sempre as mesmas. Ou era o "Breathless" dos Corrs, o "One" dos U2 ou o "Linger" dos Cramberries. Penso mesmo que foi essa tentação por bandas Irlandesas que nos levou num fim-de-semana alongado para a República da Irlanda no ano passado.
Estava exausto, mas ainda fui a tempo de abrir a porta do quarto à minha mãe. Queria dizer-me que estava imensamente feliz por mim e informar-me que iria com o meu irmão no dia seguinte para Portugal. Disse-lhe que também iria, pois queria voltar à rádio, avançar com a lavandaria e recomeçar a trabalhar, além disso tinha que dar uma arrumadela no apartamento que alugara pouco antes da Lu falecer.
Deitei-me em paz comigo mesmo e com a vida e tive a melhor noite dos últimos meses, foi como se estivesse sem dormir há anos. Senti-me bem, muito bem.
Despertei com a claridade de um sol estupendo que invadiu todo o quarto da Lu, tinha-me esquecido de correr as cortinas.
Olhei para o relógio e ainda era bem cedo. Decidi vestir-me e fui ao encontro da Lu, ou melhor, da sua estátua rodeada por malmequeres situada no jardim. Sentei-me à sua frente e prometi criar os nossos filhos com todo o amor que certamente ela lhes dispensaria. Prometi também reorganizar a minha vida e colocar em prática os projectos a que em conjunto nos propuséramos. Foi sem lágrimas que também lhe disse que um amor destes não acaba com a morte e que, mesmo não sabendo o futuro, tentaria ser e fazer mais alguém feliz.
Despedi-me com um "- Virei cá sempre! E sempre que sintas a minha falta dá-me um dos teus sinais, largarei tudo para vir para junto de ti".
Depois deste monólogo que certamente tinha sido ouvido pela Lu, fui passear um pouco pela imensidão da "Casa da Luz".
É um espaço fantástico e de uma serenidade inesquecível. Falta-lhe muito pouco para se transformar em paraíso.
No meu passeio acabei por encontrar a Aaliyah a regar as plantas que circundavam a casa de madeira da Lu. Disse-me que era um ritual que mantinha desde que a filha tinha fugido, queria que quando ela regressasse tudo estivesse perfeito, tão perfeito como ela deixara. Contou-me também que quando a Lu voltou - quase nove anos depois, ficou feliz da vida por encontrar a sua "casa" em tão bom estado, tratada com tanto carinho.
Passamos quase duas horas a falar das peripécias da Lu, numa espécie de partilha do muito que; quer um, quer o outro, não tinham tido oportunidade de vivenciar.
Regressamos a casa e fomos tomar o pequeno-almoço na companhia dos irmãos da Lu, da minha mãe e do meu irmão. Há muito tempo que já não sabia o que era boa disposição ao despertar, há muito tempo que não saboreava um pequeno-almoço tão familiar, tão cheio de sabor.
Comuniquei a todos a minha decisão de partir para Portugal naquele mesmo dia com o compromisso de voltar o mais rápido possível, pois queria acompanhar de perto a gravidez da Raja.
Entretanto chegaram a Rute e o Jorge disponibilizando-se para nos levarem ao aeroporto. Ficamos a saber que só poderíamos partir a meio da tarde, pois só havia voo disponível às 16H00. Foi da maneira que aproveitei para conhecer melhor Atenas e admirar as belezas naturais de uma cidade com tamanha importância cultural. Sempre na companhia da minha mãe e da Aaliyah, acabei por ficar a conhecer mais alguns locais que marcaram a vida da Lu; a escola primária, o parque onde brincava com os amigos de infância e inclusive o teatro onde organizou, apresentou e interpretou sozinha um musical intitulado de “Luz”.
O tempo passou a voar e de uma forma muito agradável, embora as recordações gerassem uma lágrima aqui e ali às mães que me acompanhavam. Aproveitamos a proximidade para passar no hotel e apanhar as minhas poucas coisas. Voltamos à “Casa da Luz” para nos encontrarmos com os outros e partimos em direcção ao aeroporto de Atenas.
Não era um adeus, mas sim um "até já" que não deixou de merecer mais algumas lágrimas de todos.
- Allan, sabes que a partir de hoje também és meu filho?! Sabes que te estou extremamente grata por teres feito a minha filha feliz?! - Disse a Aaliyah.
- Sim, claro que sei, claro que sou seu filho... e com imenso orgulho. Obrigado por tudo.
Despedi-me de todos com emoção e, de braço dado à minha mãe, entrei na sala de espera do aeroporto para ir de encontro ao avião que me levaria de regresso à vida, de regresso a Portugal quase um mês e meio depois de lá ter saído.
Foi uma viagem curta, não sei se pela ansiedade de voltar a Portugal, se pela vontade de recomeçar o que tinha deixado para trás.
Quando chegamos senti o cheiro típico dos aeroportos que, no entanto e naquela ocasião, me parecia cheirar a Portugal, ao meu país.
Quando chegamos à porta de saída do aeroporto de Lisboa reparei em algo estranho. À minha frente estava uma elegante lavandaria com um grande letreiro onde se podia ler: "Lavamos a sua roupa em 15 minutos". Sorri e não resisti a comentar com o meu irmão aquele pormenor que, refira-se, ia de encontro ao que a Lu sempre sonhara; abrir lavandarias em aeroportos para que os passageiros pudessem ter a hipótese de viajar com roupa limpa nas malas, contrariamente ao que acontece em todo o mundo.
- Já viste Ferdinand, podia muito bem ser a lavandaria da Lu... - Disse.
- É Allan, poderia ser, vamos dar uma espreitadela?
- Mãe, venha! Olha que nome original; "Love yoU"... - Acrescentei.
- É, é o nome que a Lu registou... - Disse o meu irmão.
- O quê?! Não, ela registou o nome Lu, ela sempre quis ter uma lavandaria com o seu nome, quer dizer com o seu diminutivo, já que o nome dela é Luna...
- Pois, foi o que eu disse... Repara bem, o nome da lavandaria é "LoveyoU". Repara no tamanho da primeira e da última letra...
- Tens razão, que estranho. Vamos lá, vamos ver como é... - Sugeri com imensa vontade.
Estavam cerca de 15 pessoas a serem atendidas e quando me aproximei do balcão fiquei estupefacto. Por trás dos clientes - gente das mais variadas nacionalidades, estava uma fotografia gigante de mim e da Lu a segurar num cesto de roupa. Na imagem podia ler-se "15 Minutos" em letras garrafais.
De repente uma criança virou-se para os pais e exclamou:
- Olha, é o rapaz da fotografia!
Fiquei quase sem reacção e sem saber o que fazer.
O meu irmão e a minha mãe aproximaram-se e informaram-me que aquilo era uma prenda da Lu. Mais, que existiam lavandarias "LoveyoU" em todos os aeroportos por onde eu e a Lu tínhamos passado juntos.
Era espantoso, principalmente porque jamais imaginaria abrir lavandarias em Madrid, Belfast, Punta Cana, São Paulo, Cancún e Lisboa... Pelos vistos era mesmo verdade e fiquei a saber que todas as lavandarias foram inauguradas durante a minha estadia na Tailândia. Entendi que a Lu decidira gastar a sua fortuna em algo no qual tanto acreditava. Afinal, já não precisaria de abrir a pequena lavandaria que ficava perto do apartamento onde morávamos, aquelas lavandarias certamente que preencheriam o meu tempo e dariam para ter uma vida mais desafogada, principalmente depois do nascimento do Gabriel e da Safira.
Despedi-me das funcionárias com um aceno e elas não pararam de rir quando se aperceberam de que o homem da fotografia era eu. Dei a entender que voltaria mais tarde e sorri.
- Mãe, vamos de táxi ou telefono à tia Aurora para nos vir buscar? - Perguntei.
- Não, vamos de táxi, poupamos tempo e, afinal, a bagagem é pouca... - Disse-me enquanto sorria alegremente.
Dirigimo-nos à porta de saída do aeroporto e não se via um único táxi. Estava uma fila imensa de pessoas desesperadas por apanhar um meio de transporte, mas pelos vistos os taxistas estariam em greve.
Por sugestão do meu irmão, decidimos andar um pouco e tentar ir apanhar um autocarro que nos levasse até ao centro de Lisboa. Mal atravessamos a larga rua começou-se a ouvir em alto e bom som uns acordes de guitarra.
Olhei à volta e não consegui perceber de onde vinha tanto barulho. Foi então que do cimo do terraço do aeroporto começaram a chover milhares balões vermelhos.
Entretanto os acordes de uma guitarra eléctrica continuavam a entoar pelo céu... E foi quando comecei a ouvir uma melodia que me era extremamente familiar.
À minha volta concentravam-se centenas de pessoas aos berros de: "-São eles! São eles!".
Sem perceber o que estava a acontecer no meio de tanto histerismo, agarrei a minha mãe e fiquei ali a assistir aquele momento de completa loucura. Queria entender o que estava a acontecer logo no dia do meu regresso a Portugal.
- Ei Allan, Ei look at me! I'm here! - Ouvi.
Não, não podia ser, era completamente impossível. O Bono Vox, acompanhado dos outros 3 elementos dos U2, estava no terraço do aeroporto de Lisboa a chamar por mim, sim por mim.
- Allan, this one is for you, with love... Enjoy! - Acrescentou o vocalista da banda que eu e a Lu mais admirávamos.
E foi assim que, entre centenas de pessoas vindas não sei de onde, comecei a ouvir o "One".
O espectáculo era impressionante e de uma intensidade indescritível. Por outro lado, nem os polícias conseguiam controlar a alegria do mar de pessoas que se juntava em frente àquela plataforma.
Dei por mim aos pulos e a cantar com toda aquela gente enquanto o Bono não parava de apontar a mão para mim, como que a dizer que aquele momento era meu, era especialmente meu.
Ao lado deles, num enorme placard electrónico, podia ver-se as curvas de uma mulher que dançava ao som deste "One". A dada altura, uma voz feminina passou a cantar em dueto com o Bono. A voz era-me familiar, parecia a daquela cantora que integrou os Silence 4...
Sem dúvida nenhuma que este estava a ser o melhor concerto da minha vida e da vida dos milhares de pessoas que entretanto se juntaram num coro arrepiante. Parecia impossível, mas os U2 estavam a actuar ao vivo em Portugal, num aeroporto e a surpreenderem todos os que ali passavam àquela hora.
O momento mais fantástico foi quando, através de um cabo de aço esticado da plataforma até ao chão, o Bono Vox atravessou aquela imensa plateia em completo delírio e veio ao meu encontro. O resto da banda continuava a tocar o "One" em parceria com a mulher que aparecia no placard electrónico.
Com a ajuda de alguns seguranças, o Bono aproximou-se de mim, deu-me um forte abraço e, num Português esquisito, disse-me:
- A Luna queria muito que fosses o seu maior fã. Nós somos fãs dela, é por isso que estamos aqui... com ela e contigo. Sê Feliz!
E nisto o Bono apontou para o placard electrónico. A mulher que participava nesta fantástica versão do "One", como que por indicação dele, virou-se e ficou a cantar sozinha o refrão da canção mas em Português:


Um amor
Um sangue
Uma vida
Deves fazer o que entenderes
Uma vida
Com cada um de nós
Irmãs, irmãos
Uma vida
Mas não somos iguais
Temos que nos carregar um ao outro
Carregar um ao outro
Um


Essa cantora, essa mulher, essa surpreendente e maravilhosa pessoa era, nada mais, nada menos do que a Lu, desta vez numa imagem completamente real, sem efeitos, mas infelizmente à distância. Ela estava a interpretar a canção do nosso amor com os U2 no melhor e mais eléctrico concerto do mundo e, ainda por cima, comigo no público, no público que ela sempre imaginara nas tantas vezes que cantara o "One" para plateias minúsculas nos mais diversos palcos.
O “One” acabou e os restantes elementos da banda acenaram-me com um "adeus", acabando ali a sua curta mais memorável missão.
No placard electrónico ficou a tradução do último refrão do tema, a parte que a Lu cantara em Português e com a qual terminou a actuação dos U2.
O meu irmão visivelmente emocionado pegou-me no braço e disse-me:
- Percebeste porque é que hoje não há táxis no aeroporto?
- Incrível, é incrível como as surpresas não param... É incrível o que a Lu consegue fazer. Mas como é que foi possível? - Perguntei.
- A "Excellence" tem os U2 como um dos seus financiadores e, quando eles souberam desta situação, fizeram questão de vir a Portugal conhecer pessoalmente a Lu, propondo-lhe que gravasse a participação que viste de forma a poderem oferecer-te um concerto memorável. Era para ter sido na Grécia, mas como vocês não os viram em Alvalade, optaram por fazê-lo neste final de tarde. Toda a situação foi sugerida pelo The Edge, o guitarrista, contando imediatamente com o aval de todos os elementos do grupo. Imagina Allan que a banda viajou hoje mesmo para cá só para te surpreender.
- E tu sabias disto?
- Allan, mal disseste hoje de manhã que virias para Portugal, a Rute ligou ao manager dos U2 e tratou de criar as condições necessárias para que isto acontecesse. Por isso é que só saímos de Atenas a meio da tarde…
- A todas os acontecimentos gerados pela Lu, também sabias?
- Sim, sabia. Eu fui uma das pessoas que acompanhou a Lu nos últimos dois anos, estive sempre a par de toda a situação. Ela não queria fazer nada que fosse contra a vontade da família, quer nossa, quer dela.
- Mas, foste tu quem lançou a lebre...
- Sim, mas estou certo de que agora entendes o porquê... Era importante levar-te a acreditar em tudo o que estava a acontecer.
- Como é que conseguiste esconder-me tudo isto?
- Simples, vendo o amor empenhado pela Lu em tudo o que programou. Estou certo de que farias o mesmo se fosse eu o visado. Allan, a Lu de início não era uma mulher que eu entendesse ser a certa para ti, mas com o tempo e principalmente com estes seus gestos percebi que não há mulher que preze tanto o amor como ela.
- E tu mãe, também sabias?
- Não querido, só soube um dia antes de partirmos para a Grécia. Achei tudo uma loucura e custou-me a acreditar. Olha, já agora, não conhecia esta canção, quem são eles? - Perguntou-me despertando em mim e no meu irmão um imediato sorriso.
Ainda a pensar no que assistira, fui andando a caminho da paragem do autocarro. Tinha sido um regresso a Portugal jamais imaginado, jamais sonhado.

2 comentários:

Sunshine disse...

Espantosamente surpreendente é o mínimo que te digo.

É dos melhores livro e repito LIVRO que tenho lido últimamente.

Que final espero??? Com tantas coisas boas que já aconteceram só pode ser um fim divinal!!!!

Bjs e um dia bommmmmm

Miriam disse...

Te confesso que já estive por aqui, já li esse penúltimo (snif,snif,snif)(e agora voltei para reler) e que esses acontecimentos todos foram muito surpreendente e te confesso, inesperados, mas com uma discrição e riquesa de detalhes que me deixou muitas vezes sem ar e com a emoção muito elevada...não saberia te dizer o que espero para o final, - vc é uma caixinha de surpresas e não consigo imaginar - "eu" particurlamente, já teria o meu final...foram até agora 29 capítulos de pura magia e energia do bem....
Parabéns FM

Até ao 30

Bjuss de carinho aos 3

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